Oração da paz
Senhor! Fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna
Uma das orações mais queridas dos cristãos, católicos ou protestantes, é certamente a oração atribuída a São Francisco de Assis que começa pedindo: Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz! Acontece que a pesquisa histórica, realizada exaustivamente pelo autor Christian Renoux não conseguiu fazê-la remontar além de 1912, ano em que ela, pela primeira vez, apareceu, anônima, numa obscura revista devocional francesa. Só depois, especialmente a partir de sua publicação no jornal da Santa Sé, L’Osservatore Romano, em 1916, começou sua rápida difusão, que, em pouco tempo, chegou a todo o mundo, traduzida em praticamente todas as línguas. Christian Renoux é doutor em história moderna e conferencista da universidade de Angers, na França, militando há muitos anos na promoção da não-violência. Ele é co-presidente do ramo francês do Movimento Internacional da Reconciliação, e co-redator dos Cahiers de la Réconciliation. Pondo em ação todos os recursos da pesquisa histórica, ele consegue mostrar como, pouco depois de sua publicação, em 1912, esta oração não tem cessado de seduzir, no mundo inteiro, homens e mulheres devotados à causa da paz. Ele prova, também, que São Francisco de Assis não é o seu autor, pelo simples fato de que não se encontra seu texto entre os escritos do Santo, nem mesmo em qualquer outro documento conhecido de quem quer que seja, até inícios do século XX. No seu prefácio ao livro, Pe. Willibrord van Dijk, capuchinho, observa que esta oração tão breve, objetiva, não sentimental, impressionou também os budistas do Japão e os monges do Tibet e mereceu ser pronunciada solenemente por João Paulo II no dia 27.10.1986, na famosa jornada inter-religiosa de Assis. Nela não se encontra diretamente nenhuma alusão evangélica ou bíblica e nenhum dos pedidos formulados é especificamente franciscano ou cristão. Seu conteúdo universalmente humano é que a faz despertar ressonâncias profundas em todo coração sincero, mesmo se a-religioso ou racionalista. Isto, porém, não contradiz afirma Pe. Willibrord a atribuição (gratuita) ao Santo de Assis. “Embora ele não a tenha escrito, nem em latim nem em úmbrio, a oração lhe foi atribuída porque se parece com ele” (p. 7). No capítulo 6o, o autor mostra como começou, indiretamente, a atribuição a São Francisco de Assis. Foi através de um santinho, impresso em Reims, na França, logo após a guerra de 1914-18, por iniciativa do capuchinho Pe. Benoît. No santinho, que estampa a figura de São Francisco de Assis, se encontra, no verso, o texto da oração, intitulada agora “Oração pela Paz” e recomendada aos membros da Ordem Terceira franciscana, mas ainda sem atribuí-la ao Santo. A conexão, no entanto, indiretamente, já estava feita. Por volta de 1925, a oração começa a ser difundida em ambientes protestantes da França, através do pastor valdense Jules Rambaud, então empenhado na reconciliação entre franceses e alemães. Nesse mesmo ano, um oficial protestante alsaciano, Etienne Bach, adota a oração como texto oficial do seu movimento e a publica no Boletim dos Cavaleiros da Paz, difundindo-a, a seguir, por todos os meios possíveis. Um cartão postal, impresso com o texto da oração, em 1927, a intitula “Oração dos Cavaleiros da Paz”. E são eles, os protestantes franceses, que, em agosto de 1927, pela primeira vez a imprimem com a indicação: “atribuída a São Francisco de Assis”, sem explicar, porém, essa atribuição (p. 81).
A partir de 1946, quando pela primeira vez a oração “de São Francisco” inspirou uma composição musical em inglês, têm-se sucedido e multiplicado as melodias inspiradas no texto. Em 1982, por ocasião do oitavo centenário do nascimento do Santo, catalogaram-se mais de quarenta composições, só em francês e em inglês. No Brasil, é conhecidíssima a melodia do jesuíta paraguaio radicado entre nós, Pe. Narciso Irala, desde a década de 70, bem como as melodias de Frei Fabretti e de Frei Luís Carlos Susin. E o autor assim conclui a sua resenha da difusão internacional do texto: “Graças às melodias, aos santinhos e cartões postais e às coletâneas de orações, encontramos hoje, espalhados pelo mundo, milhões, mesmo dezenas de milhões de exemplares desta prece, publicada anônima em 1912 na modesta revista do Pe. Bouquerel. Este sucesso mundial é reforçado pelo uso público que dela fizeram e ainda fazem as mais diversas personalidades de renome internacional” (p. 110).
O capítulo 10o, último do livro, faz um balanço geral da pesquisa. Lembra que o primeiro a contestar a atribuição a São Francisco é um franciscano francês, Pe. Barbier, que, já em 1945, argumentava que “a oração geralmente atribuída a São Francisco de Assis... não é dele” (p. 142). Outro franciscano, desta vez nos Estados Unidos, Pe. James Meyer, numa antologia comentada dos escritos de São Francisco, em 1952, também contesta a atribuição ao Santo. Em compensação, cita uma bem-aventurança de Frei Egídio de Assis, discípulo de Francisco, no século XIII, formulada assim: “Bem-aventurado é aquele que ama e não deseja ser amado; aquele que serve e não deseja ser servido; aquele que teme e não pretende ser temido; aquele que é bom para com os outros e não pretende que os outros o sejam para com ele” (p. 144). Em 1958, o capuchinho francês Pe. Willibrord, escrevendo à revista franciscana holandesa, também informa que a oração atribuída a São Francisco não se encontra em nenhum documento escrito pelo Santo. Em 1968, o luterano alemão Frieder Schulz publica um longo artigo sobre a história da oração descartando sua origem franciscana e situando sua aparição “por volta de” 1913. Em 1975, outro franciscano francês, Pe. Jérôme Poulenc, escreve um artigo sobre “a inspiração moderna” da oração atribuída a São Francisco. Em 1996, nos Estados Unidos, Pe. Regis Armstrong traduz e publica, na revista franciscana de New York, os artigos já mencionados de Willibrord, Schulz e Poulenc, para desfazer o equívoco da atribuição a São Francisco (p. 155).


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